60 anos depois da crise dos mísseis de Cuba, ameaça de guerra nuclear nunca foi tão grande

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A ameaça nuclear com a guerra na Ucrânia

Em fevereiro deste ano, a Rússia invadiu a Ucrânia. Desde então, a guerra na Ucrânia se transformou cada vez mais em um conflito entre a Rússia e os EUA/OTAN, que estão apoiando o regime ucraniano com o envio de armas e o apoio em operações de inteligência. Muitos especialistas consideram que a invasão russa foi o início da Terceira Guerra Mundial. 


De fato, nos últimos meses, a guerra escalou a ponto de a Rússia ameaçar usar armas nucleares e o governo americano ter alertado sobre a possibilidade de um “armagedon nuclear”. A Rússia e os EUA são os países com o maior arsenal nuclear do mundo.

A crise dos mísseis de Cuba

Entre 14 e 28 de outubro de 1962, o mundo assistiu atônico à possibilidade de estourar uma guerra nuclear entre a URSS e os EUA.


Em janeiro de 1959, a revolução cubana liderada por Fidel Castro derrubou o regime do ditador Fulgência Batista, apoiado pelos EUA. Três meses depois, em março de 1959, os EUA começaram a treinar e armar exilados cubanos para derrubar o regime castrista. Esse treinamento culminou, em abril de 1961, na invasão da Baia dos Porcos por 1.400 desses exilados, que acabou sendo derrotada pelas forças cubanas. 
Em meio à Guerra Fria, esse episódio aproximou Cuba da União Soviética. No mesmo mês de abril de 1961, Fidel Castro declarou o caráter socialista da revolução cubana. 

Em novembro de 1961, os EUA instalaram 15 mísseis nucleares Júpiter na Turquia e outros 30 na Itália, que poderiam alcançar as duas principais cidades russas, São Petersburgo e Moscou. Cada ogiva nuclear instalada num míssil tinha 1,44 megaton de TNT, o equivalente a 100 bombas “Little Boy”, lançada sobre Hiroshima. 

Em abril de 1962, os EUA realizaram um enorme exercício militar com 40 mil soldados na Carolina do Norte e em Porto Rico, que fez Castro e o líder soviético, Nikita Khrushchev, considerarem como provável que os EUA estavam preparando uma segunda invasão.

Em julho de 1962, Cuba e URSS chegaram a um acordo secreto para instalar mísseis em território cubano para dissuadir os EUA de invadirem a ilha. Na chamada operação Anadir, a URSS enviou a Cuba 50 mil soldados soviéticos e 60 mísseis atômicos R-12/SS-4 Sandal. Cada um desses mísseis tinha o alcance de 2.000 km, podendo atingir Nova York, e o poder destrutivo de 1 megaton.

Em 14 de outubro de 1962, um avião americano de espionagem U-2 fotografou a instalação dos mísseis nucleares em Cuba. Havia sido iniciada a crise dos mísseis de Cuba. 
 

O governo americano de J.F. Kennedy começou a debater o que faria diante da instalação dos mísseis soviéticos em Cuba. A possibilidade de uma invasão à ilha, assim como o uso de armas nucleares, foi defendida por militares do governo americano. Em 22 de outubro, o governo Kennedy decidiu por um bloqueio naval a Cuba.
 

O episódio mais tenso da crise aconteceu em 27 de outubro de 1962, quando um avião espião americano U-2 foi abatido em solo cubano e o piloto foi morto. Os generais americanos pressionaram o presidente Kennedy a realizar um ataque aéreo a Cuba. Nas negociações entre o governo Kennedy e a URSS, Khrushchev pediu que os EUA retirassem seus mísseis da Turquia. 

No mar, um incidente quase leva um submarino soviético a lançar mísseis nucleares sobre 11 navios americanos e um de seus porta aviões. Sem comunicação, um dos capitães do submarino soviético pensou que estava sendo atacado pelos navios americanos depois de lançarem cargas de profundidade e propôs um ataque nuclear. Isso foi impedido por outro capitão do submarino, Vasily Arkhipov. 

Um acordo finalmente foi alcançado em 28 de outubro de 1962. No dia seguinte a União Soviética iniciou a retirada dos mísseis de Cuba e os Estados Unidos compromete-se em levantar o bloqueio. Em 1963, os EUA retiraram seus mísseis da Turquia. A crise fez com que os EUA e a URSS estabelecessem uma linha de comunicação direta, o “telefone vermelho”, em agosto de 1963.

O inverno nuclear

Durante a Guerra Fria, uma guerra nuclear entre EUA e União Soviética não aconteceu por causa de uma doutrina conhecida como Destruição Mútua Assegurada (MAD, sigla em inglês). Segundo essa doutrina, uma guerra nuclear entre EUA e União Soviética levaria a destruição das duas potências.
Em 1981, um relatório do governo americano de Ronald Regan descartou a MAD, revertendo anos da política que impediu uma guerra nuclear. Isso significou assegurar aos EUA superioridade militar estratégica que poderia levar a uma vitória contra a então URSS.

(Vídeo com legenda em português)

Porém, um movimento para pressionar os líderes dos EUA e da URSS e a parar a corrida armamentista começou a se manifestar. O astrônomo e divulgador de ciência Carl Sagan se tornou o porta-voz desse movimento. 
 

Em 1983, Sagan e outros cientistas da NASA publicaram o artigo “Inverno Nuclear: Consequências globais de múltiplas explosões nucleares”. Depois de estudarem as tempestades de areia em Marte e sua influência sobre a temperatura na superfície do planeta, esses cientistas se perguntaram: o que poderia causar alguma coisa parecida sobre a Terra? Eles, então, encontraram duas respostas: erupções vulcânicas e uma guerra nuclear.

Modelos atmosféricos simples nos anos 1980 mostraram que uma guerra nuclear produziria tanta poeira e fuligem que bloquearia a luz do sol que chega à superfície da Terra. As temperaturas alcançadas poderiam ser menores do que aquelas no auge da Era do Gelo, há 18.000 anos, o que deixaria a Terra inabitável.
Sagan realizou inúmeras entrevistas sobre o inverno nuclear em programas de TV nos EUA, além de escrever uma série de artigos para o público em geral. Ele também viajou à URSS para falar sobre a teoria do inverno nuclear ao comitê central do Partido Comunista da União Soviética. 
 
Sagan na TV americana alertando sobre as consequências de uma guerra nuclear: “cientistas de todo o mundo estão descobrindo que, além da devastação imediata, uma guerra nuclear ameaça gravemente a nossa civilização global e, possivelmente, a espécie humana... As consequências globais da guerra nuclear não são passíveis de verificação experimental.”

Reagan e o líder soviético Mikhail Gorbatchev foram convencidos por Sagan que uma guerra nuclear poderia extinguir a humanidade. Quando eles se encontraram pela primeira vez, em 1987, Gorbatchev estava carregando uma revista com uma reportagem escrito por Sagan sobre o inverno. Nesse encontro, foi assinado o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF), que retirou as misseis balísticos e de cruzeiros nucleares americanos de países europeus, reduziu as ogivas nucleares americanas e soviéticas pela primeira vez e permitiu que qualquer um dos países inspecionasse o arsenal nuclear do outro. 
 
Gorbatchev e Reagan assinando o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário.

A supressão do inverno nuclear em meio à crescente ameaça de guerra nuclear

Em 2019, os EUA e a Rússia romperam o tratado INF, aumentando a ameaça de uma nova corrida armamentista.
Ao mesmo tempo, as consequências do inverno nuclear são cada vez mais subestimadas e silenciadas.
As reações a esses estudos existiram desde o início, com argumentos que diziam que a quantidade de fuligem que seria lançada para a atmosfera tinha sido superestimada, pois metade da fumaça na atmosfera seria trazida de volta para a superfície através de chuvas. Uma massiva campanha na mídia americana para divulgar o que ficou conhecido como “outono nuclear” foi realizada contra a teoria do inverno nuclear.

Os cientistas foram pressionados a parar as pesquisas relacionadas ao inverno nuclear porque o dinheiro era sempre cortado, uma maneira de silenciar a comunidade cientifica. Ao contrário de serem reconhecidos por revelar os efeitos perigosos de uma guerra nuclear, esses cientistas foram perseguidos.
Em 2006, foi publicado um artigo na revista Foreign Affairs com o titulo “The rise of nuclear primacy”, de Keir Lieber e Daryl Press, que levantava a possibilidade dos EUA lançarem um primeiro ataque sobre a Rússia e ela não conseguir retaliar. Assim, para eles, os EUA poderiam “ganhar” uma guerra nuclear se atacassem primeiro.

Porém, estudos recentes mostraram que a teoria do inverno nuclear foi subestimada. Em 2007, um desses estudos mostrou que uma guerra entre Paquistão e Índia, com um total de 100 bombas nucleares detonadas, poderia produzir tanta fuligem e fumaça que criaria as temperaturas mais baixas nos últimos 1.000 anos. Isso diminuiria a produção de arroz, milho e outros grãos por muitos anos, o que deixaria 2 bilhões de mortas de fome. Já uma guerra nuclear entre os EUA e a Rússia poderia deixar a agricultura impraticável por 10 anos, condenando a maioria das pessoas a morrer de fome.

Esse estudo também mostrou como a fumaça quente das explosões nucleares produziria uma perda de ozônio de 20% a 50% em regiões densamente povoadas no hemisfério norte. Com isso, uma pessoa no verão ao meio-dia poderia ter queimaduras de sol dolorosas em menos de seis minutos.
O que aconteceria numa guerra nuclear entre os EUA e a Rússia? 

(Vídeo com legenda em português)

Os EUA e a Rússia possuem cada um 1.000 mísseis nucleares de pelo menos 100 kilotons para serem lançados entre 2 e 15 minutos. São cerca de 9 minutos para um míssil nuclear de um submarino atingir a Rússia.

Os dois países possuem 3.500 armas nucleares que podem ser detonadas em uma hora, além de mais 4.600 prontas para serem usadas. Há uma grande chance de grandes cidades serem alvos de mísseis nucleares. Os EUA possuem mais de 300 cidades com mais de 100 mil habitantes, e a Rússia mais de 200 cidades.
Provavelmente 30% da população russa e americana seria morta na primeira hora de guerra. Poucas semanas depois, a ação radioativa das bombas mataria 50% ou mais da população.

A cada vez maior possibilidade de uma guerra mundial é também a possibilidade da morte de bilhões de vidas humanas e de uma destruição irreparável da natureza, inclusive com a possibilidade de se aniquilar a vida na Terra.

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