Desde a antiguidade, sabe-se que a Terra possui uma forma
praticamente esférica.
Para Aristóteles, que viveu no século 4 a.C., uma evidência da
esfericidade da Terra seria o fato de algumas estrelas e constelações só
poderem ser vistas em determinadas latitudes. Por exemplo, a constelação de
Ursa Maior só pode ser vista entre as latitudes de 41˚N e 25˚S, enquanto a
constelação do Cruzeiro do Sul é praticamente só vista no hemisfério sul.
A constelação do Cruzeiro do Sul (“Southern Cross”, em inglês) é
vista ao longo de todo o ano no hemisfério sul, e apenas durante o inverno e a
primavera na região tropical do hemisfério norte. O contrário acontece com a
constelação Ursa Maior (“Dipper”, em inglês).
A sombra da Terra sobre a Lua durante seu eclipse também seria,
para Aristóteles, uma outra evidência da esfericidade da Terra.
Foto da sombra da Terra sobre a Lua durante o seu eclipse.
Desde 1961, quando o russo Yuri Gagarin tornou-se o primeiro
homem a ver a Terra do espaço, centenas de astronautas puderam verificar que,
de fato, ela é esférica.
Foto da esfericidade da Terra, com a Estação Espacial
Internacional (ISS, na sigla em inglês) em primeiro plano.
Hoje, porém, sabemos também que a Terra é ligeiramente achatada
nos polos. Essa descoberta foi realizada no século XVII a partir do estudo da
queda dos corpos e de pêndulos simples, que permitiram determinar a aceleração
da gravidade.
Galileu e o pêndulo simples
Na década de 1580, Galileu (1564-1642), analisando o movimento
de um candelabro durante uma missa, percebeu que seu período de oscilação (o
tempo para realizar um movimento completo) não depende de sua amplitude, apenas
de seu comprimento. Essa descoberta ficou conhecida como isocronismo (palavra
de origem grega: iso:
igual, cronos: tempo) do
pêndulo simples. Mais tarde, Mersenne (1588-1648) e Huygens (1629-1695) mostrariam
que o isocronismo do pêndulo simples vale apenas para pequenas oscilações.
Na animação acima, o período é o tempo para o pêndulo sair próxima ao queixo do professor e voltar a essa mesma posição.
Galileu mostrou que o período do pêndulo simples não depende da
amplitude (A), apenas de seu comprimento.
Essa sua descoberta foi relatada em seu livro Duas novas ciências, publicado
em 1638. Nele, Galileu diz que:
Quanto à proporção entre os tempos de
oscilação de móveis suspensos por fios de diferente comprimento, esses tempos
estão entre si na mesma proporção que as raízes quadradas dos comprimentos dos
fios, o que quer dizer que os comprimentos estão entre si como os quadrados dos
tempos.
A descoberta de Galileu pode ser escrita da seguinte maneira: ou em que T é o período do pêndulo e L é o seu
comprimento. A expressão que relaciona o período do pêndulo simples e seu
comprimento viria a ser determinada por Huygens 31 anos depois de Galileu.
Além da descoberta do isocronismo do pêndulo simples, Galileu
descobriu que o período do pêndulo simples não depende da massa do que se movimenta.
Essa descoberta seria muito importante mais tarde no estudo de Galileu da queda
dos corpos para refutar a afirmação de Aristóteles que o tempo de queda depende
da massa do corpo.
Galileu
utilizou uma bola de cortiça e outra de chumbo em dois pêndulos de mesmo
comprimento para mostrar que o período do pêndulo simples não depende da massa.
Como mostra a animação acima, Galileu mostrou que o período do pêndulo depende de seu comprimento, e não de sua massa e de sua amplitude.
A aceleração da gravidade
No livro Duas
novas ciências, Galileu também diz que:
Vamos expor uma nova ciência a respeito de um
tema muito antigo. Não existe nada na natureza anterior ao movimento e, com
referência a ele, não poucos e pequenos volumes foram escritos pelos
filósofos... Observaram-se algumas muito simples, como, por exemplo, que o
movimento natural dos graves em queda livre se acelera continuamente; porém,
não foi demonstrada até o momento a proporção segundo a qual se produz a sua
aceleração.
Porém, nesse livro, Galileu não determinou “a proporção segundo
a qual se produz a aceleração” de um corpo durante queda livre, ou seja, a
aceleração da gravidade. A única determinação do valor da aceleração da
gravidade por Galileu foi anunciada em 1632, no livro Diálogo sobre os dois
máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. O valor da aceleração
da gravidade determinado por Galileu foi de 4 m/s2, um valor muito
longe dos 9,8 m/s2 que conhecemos
hoje em dia.
Essa enorme diferença aconteceu por causa da falta de
cronômetros que medissem o tempo com precisão. Conta-se que a descoberta do
isocronismo do pêndulo aconteceu com Galileu medindo o período do pêndulo com
sua pulsação. Já em seus experimentos realizados com planos inclinados, Galileu
mediu o tempo de movimento de uma bola a partir da massa de água que fluía em
um tanque. Cronômetros e relógios
mais precisos viriam a ser construídos exatamente com o desenvolvimento do
estudo com pêndulos e molas. Em 1656, Huygens criou o relógio de pêndulo, e, em
1665, ele conseguiu construir um relógio que atrasava 1 segundo em 24 horas.
O primeiro a conseguir medir a aceleração da gravidade com um
valor próximo ao que conhecemos hoje foi Mersenne, em 1647.Utilizando pêndulos
para se determinar o tempo de queda dos corpos, ele chegou a um valor para a
aceleração da gravidade de 8 m/s2.
Em 1659, o físico holandês Huygens (1629 – 1695) refez o experimento
de Mersenne e encontrou valores para a aceleração da gravidade entre 9 e 10 m/s2.
Nesse ano, Huygens também determinou a relação entre o período de oscilação de
um pêndulo simples e a aceleração da gravidade (g):
A partir dessa relação, a aceleração da gravidade passou a ser
determinada não pelo tempo de queda dos corpos, mas pela determinação do
período de oscilação de um pêndulo simples. Com isso, Huygens chegou a um valor
para a aceleração da gravidade de 9,5 m/s2.
A aceleração da gravidade em diferentes lugares da Terra e seu
formato
A relação determinada por Huygens entre o período do pêndulo
simples, seu comprimento e a aceleração da gravidade possibilitou determinar o
valor da aceleração da gravidade de uma maneira simples e com uma grande
precisão.
Em 1672, o astrônomo francês Jean Richer realizou cuidadosos
experimentos para medir o período de um pêndulo simples de mesmo comprimento em
Caiena, na Guiana Francesa, próximo a linha do equador, e em Paris, na França,
mais ao norte. Ele mostrou que, em Paris, o período do pêndulo é menor do que
em Caiena, ou seja, que o movimento do pêndulo é mais rápido em Paris.
Em 1676, o cientista inglês Edmond Halley, amigo de Newton (1642
– 1727), quando se encontrava na ilha britânica de Santa Helena, no sul do
Oceano Atlântico, realizou medidas para o período do pêndulo simples em
diferentes altitudes na ilha. Ele descobriu que, ao nível do mar, o período do
pêndulo era maior do que no alto das montanhas vulcânicas de mais de 800 m da
ilha.
Para Newton e Huygens, essa diferença no período do pêndulo
poderia ser explicada a partir da alteração da gravidade de um lugar para o
outro, que, por sua vez, seria causada pela alteração na distância entre o
centro da Terra e esses lugares. Assim, tanto em Caiena quanto no alto da
montanha o período do pêndulo seria maior, pois a distância ao centro da Terra
também seria maior, o que diminuiria a aceleração da gravidade. O contrário aconteceria
em Paris e ao nível do mar, pois estão mais perto do centro da Terra.
Isso significava que para eles a Terra não era mais uma esfera
perfeita, mas ligeiramente achatada nos polos.
Na proposição XX, problema IV de seu livro Princípios matemáticos da filosofia natural, de 1687, Newton diz
que:
Vários astrônomos, enviados a países remotos
para fazer observações astronômicas, encontraram que os relógios de pendulo de
fato movem-se mais lentamente próximo ao equador do que na Inglaterra. E,
primeiro de todos, no ano de 1672, o Sr. Richer notou isto na ilha de Cayena...
ele observou seu relógio indo mais lentamente do que devia em relação ao
movimento médio do Sol na razão de 2 minutos e 28segundos por dia.
Ele continua dizendo que:
se podemos confiar nas observações deste
senhor, a Terra é mais alta no equador do que nos polos, e isto por um excesso
de aproximadamente 17 milhas (ou 27 km).
Hoje sabemos que a diferença entre a distância do centro da
Terra a qualquer ponto sobre a linha do equador e sobre os polos é 6 km menor do
que a determinada por Newton, de 21 km.
A aceleração da gravidade nos polos é maior, pois a distância ao
centro da Terra é menor. O contrário acontece sobre o equador, que é mais
distante do centro da Terra. Hoje sabemos que a diferença entre o raio polar e
equatorial é de 21 km, 6 km a menos do que o determinado por Newton.
O movimento de rotação da Terra
Essa diferenças no período do pêndulo simples em diferentes
lugares da Terra permitiram Newton, e também Huygens, mostrar que a Terra gira
ao redor de seu próprio eixo. Segundo Newton, “as experiências com pêndulos
mostram que há um diminuição da gravidade ocasionada pela rotação diurna da
Terra.”
Portanto, para
Newton, o achatamento dos polos seria causado pelo movimento de rotação da
Terra, ou melhor, pelo efeito das forças centrífuga em diferentes lugares da
Terra causadas por sua rotação. No equador, a força centrifuga é maior,
enquanto ela diminui à medida que se aproxima dos polos. O efeito dessa
diferença no valor da força centrifuga do equador em relação ao polos é o
achatamento da polos da Terra.
A força centrifuga (Fc) sobre o equador (E) é maior
do que em latitudes maiores, como no ponto A. Nos polos, a força centrifuga é
zero.
A partir do efeito da força centrifuga em diferentes lugares da
Terra, Newton conseguiu calcular que “o diâmetro da Terra no equador está para
o diâmetro de polo a polo assim como 230 está para 229”, o que significa que a
Terra será mais alta no equador do que nos polos por 17 milhas.”
Esse valor determinado teoricamente é o mesmo que ele determinou
utilizando os dados experimentais de Richer.
Com esse argumento, Newton conseguiu dar um prova indireta do
movimento de rotação da Terra. Essa prova aconteceu algumas décadas depois de
Galileu ter sido condenado a prisão domiciliar perpétua por defender o
movimento da Terra, ou seja, em um período de transição entre o modelo
geocêntrico e heliocêntrico.
Uma evidência
contundente do movimento de rotação da Terra seria realizada apenas em 1851 por
Jean Bernard Léon Foucault, num experimento que ficou conhecido como pêndulo de
Foucault. Nesse experimento, Foucault pendurou no Panteão de Paris um pêndulo
de 30 kg e 67 m de comprimento, e mostrou que o plano de oscilação do pêndulo
muda ao longo de um dia. Essa mudança, por sua vez, seria o efeito da força de
Coriolis sobre o pêndulo causada pelo movimento de rotação da Terra.
Fotos
do pêndulo de Foucault no Panteão de Paris. Dá para perceber que o plano de
oscilação do pêndulo muda de uma foto para a outra por causa do movimento de
rotação da Terra.
Animação, à esquerda, e imagem com a variação do plano de oscilação do pêndulo de Foucault (o sentido da variação do plano de oscilação da animação é diferente da imagem, como acontece do hemisfério sul para o norte). Para ver uma simulação do pêndulo de Foucault, visite a página: http://www.sciences.univ-nantes.fr/sites/genevieve_tulloue/Meca/RefTerre/Foucault0.html.
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