Einstein e a bomba atômica

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Em 1939, convencido por seu amigo Leonard Szilard de que a Alemanha nazista poderia construir uma bomba atômica, Einstein escreveu uma carta ao presidente americano F. D. Roosevelt sugerindo que seria "desejável estabelecer algum tipo de contato permanente entre a Administração e o grupo de físicos que trabalham em reações em cadeia nos Estados Unidos", através do fornecimento de urânio para o país e acelerando o trabalho experimental para realizar uma reação em cadeia com esse mineral. Em agosto de 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial, os EUA lançaram as bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.

Apesar da carta que levou à construção da bomba atômica pelos EUA, Einstein sempre se colocou contra seu uso. Alguns anos depois do bombardeio ao Japão, escreveu que: 
Minha responsabilidade na questão da bomba atômica se limita a uma única intervenção: escrevi uma carta ao Presidente Roosevelt. Eu sabia ser necessária e urgente a organização de experiências de grande envergadura para o estudo e a realização da bomba atômica. Eu o disse. Conhecia também o risco universal causado pela descoberta da bomba. Mas os sábios alemães se encarniçavam sobre o mesmo problema e tinham todas as chances para resolvê-lo. Assumi portanto minhas responsabilidades. E no entanto sou apaixonadamente um pacifista e minha maneira de ver não é diferente diante da mortandade em tempo de guerra e diante de um crime em tempo de paz.
Até o final da vida, Einstein acreditou no controle internacional das armas atômicas e, sete dias antes de morrer, em 11 de abril de 1955, assinou um manifesto alertando o perigo dos arsenais nucleares e propondo caminhos alternativos para conflitos entre as nações que levassem ao desarmamento universal.

No livro Einstein: sua vida, seu universo, Walter Isaacson conta um pouco dessa história. 



A carta – O físico húngaro Leonard Szilard era um velho amigo de Einstein. Fugindo dos nazistas, chegou à Inglaterra e depois à Nova Iorque, onde trabalhou na Universidade de Columbia buscando maneiras de criar uma reação nuclear em cadeia. Ao ouvir falar da descoberta da fissão atômica com Urânio, Szilard percebeu que esse elemento poderia ser usado para produzir uma explosiva reação em cadeia.

Szilard discutiu o assunto com Eugene Wigner, seu amigo íntimo, um físico de Budapeste também refugiado. Ambos começaram a se preocupar com a possibilidade de que os alemães tentassem comprar grandes quantidades de Urânio do Congo, na época colônia belga. Mas como, pensaram eles, poderiam dois refugiados húngaros nos EUA encontrar um modo de advertir os belgas? Szilard então lembrou que Einstein era amigo íntimo da rainha-mãe da Bélgica. 
 Em 16 de julho de 1939, eles embarcaram para a cidade a cidade Peconic, em Nova Iorque, onde Einstein passava as férias de verão. Encontraram Einstein num chalé e logo Szilard explicou o processo pra Einstein: uma explosiva reação em cadeia podia ser produzida em camadas alternadas de urânio e grafite pelos nêutrons liberados a partir de uma fissão nuclear. “Nunca pensei nisso!”, exclamou Einstein. Fez algumas perguntas, repassou o processo durante quinze minutos e, então, logo percebeu as implicações. Em vez de escrever à rainha-mãe, Einstein sugeriu que escrevessem a um ministro belga que ele conhecia. 
 Wigner, demonstrando sensatez, sugeriu que talvez três refugiados não devessem escrever a um governo estrangeiro sobre assuntos secretos de segurança antes de consultar o Departamento de Estado americano. Nesse caso, concluíram eles, talvez o canal adequado fosse uma carta de Einstein, o único famoso o suficiente para merecer atenção, dirigida ao embaixador belga, com cópia para o Departamento de Estado.
 Passados alguns dias, um amigo conseguiu que Szilard conversasse com Alexander Sachs, economista da Lehman Brothers e amigo do presidente Roosevelt. Mostrando mais senso prático que os três físicos teóricos, Sachs insistiu que a carta deveria ir direto para a Casa Branca, e se ofereceu para entrega-la em mãos.
 
 Duas semanas depois, Szilard e outro refugiado húngaro, Edward Teller, foram ao encontro de Einstein para reescrever a carta. Porém, a carta que planejavam agora era muito mais importante que um simples pedido aos ministros belgas para que tomassem cuidado com as exportações de Urânio do Congo. O cientista mais famoso do mundo estava prestes a dizer ao presidente dos EUA que ele deveria começar a levar em consideração uma arma de impacto quase inimaginável, capaz de liberar o poder do átomo.
 A essa altura, os acontecimentos transformaram o que era uma carta importante numa carta urgente. No final de agosto de 1939, os nazistas e os soviéticos deixaram o mundo estupefato ao assinarem uma aliança de guerra, e passaram então a dividir a Polônia entre si. Isso levou a Grã-Bretanha e a França a declararem guerra, dando início à Segunda Guerra Mundial do século. Naquele momento, os EUA permaneceram neutros, ou pelo menos não declararam guerra. No entanto, o país começou a se rearmar e a desenvolver todas as novas armas que pudessem ser necessárias para seu futuro envolvimento.
 
 No final de setembro, Szilard foi encontrar Sachs e ficou horrorizado ao descobrir que ele ainda não conseguira marcar uma audiência com Roosevelt. Depois de pressioná-lo, Sachs conseguiu uma audiência com o presidente na tarde de 11 de outubro.
 Sachs temia que, se deixasse a carta e os memorandos com Roosevelt, este daria uma rápida olhada neles e os poria de lado. A única maneira confiável de transmitir a mensagem, decidiu ele, era ler os papeis em voz alta. Postando-se diante da mesa do presidente, leu seu resumo da carta de Einstein, partes do memorando de Szilard e alguns parágrafos de diversos documentos históricos.
 
 “Alex, o que você está querendo é garantir que os nazistas não explodam conosco”, disse o presidente. “Exatamente”, respondeu Sachs. Roosevelt chamou seu assistente pessoal. “Isso exige atenção”, declarou. Naquela noite, foram traçados planos para formar um comitê especial, que se reuniu informalmente em 21 de outubro. 
 Nos meses seguintes, o governo Roosevelt aprovou apenas 6 mil dólares para experiências com grafite e urânio. Szilard impacientou-se. Cada vez se convencia mais da viabilidade da reação em cadeia, e ficava mais preocupado com as informações sobre as atividades na Alemanha que vinha obtendo de seus colegas refugiados.
 Assim, em março de 1940, Szilard e Einstein elaboraram outra carta para o presidente, advertindo-o que todo o trabalho com o urânio que, segundo chegara ao conhecimento deles, estava sendo realizado em Berlim.
 
 (...) Mais de dois anos depois que Einstein e seus colegas chamaram a atenção para a possibilidade de fabricar armas atômicas, os EUA iniciaram o supersecreto Projeto Manhattan. O lançamento foi no dia 6 de dezembro de 1941, véspera do ataque do Japão a Pearl Harbor, que levou o pais à guerra. 
 O medo atômico – O físico Otto Stern, amigo de Einstein desde os dias que ambos passaram juntos em Praga, trabalhava em segredo no Projeto Manhattan, sobretudo em Chicago, e no fim de 1944 chegara à razoável conclusão de que este seria bem-sucedido. Naquele mês de dezembro, fez uma visita à Einstein em Princeton. Einstein ficou muito preocupado com o que ouviu. Fosse a bomba usada na guerra ou não, ela mudaria para sempre a natureza tanto da guerra quanto da paz. Os responsáveis pela política do pais não estavam pensando nisso, concordaram ele e Stern, mas precisavam ser incentivados a pensar antes que fosse tarde demais. 
 Assim, Einstein resolveu escrever a Niels Bohr. Einstein era um dos poucos a sabe que Bohr, que era meio judeu, estava nos EUA em segredo. Quando os nazistas tomaram a Dinamarca, ele conseguira fazer uma fuga ousada, escapando com o filho para a Suécia num pequeno barco. Da Suécia fora de avião à Grã-Bretanha, recebera um passaporte falso com o nome John Baker, e o mandaram aos EUA para participar do Projeto Manhattan em Los Alamos. 
 Einstein escreveu a Bohr aos cuidados da embaixada da Dinamarca em Washington, e de alguma forma a carta chegou ao seu destinatário. Nela, Einstein descrevia sua preocupante conversa com Stern a respeito da falta de reflexão e debate sobre o controle das armas atômicas no futuro. “Os políticos não compreendem as possibilidades, e em consequência disso não sabem a verdadeira extensão da ameaça”, escreveu ele. Mais uma vez, argumentou que era preciso haver um governo mundial, com poderes reais, para evitar uma corrida armamentista quando chegasse a era das armas atômicas. “Os cientistas que sabem como conseguir uma audiência com líderes políticos”, insistiu, “devem pressionar os líderes políticos de seus países para que o poderio militar seja internacionalizado”. 
 Assim começou a missão política que dominaria a última década da vida de Einstein. Desde sua adolescência na Alemanha, ele sentia repulsa pela nacionalismo. Argumentava que a melhor maneira de evitar as guerras era criar uma autoridade mundial, com direito de resolver disputas e com poderio militar para impor suas resoluções. Agora, com a chegada iminente de uma arma tão tremenda, capaz de transformar tanto a guerra como a paz, Einstein passou a ver essa solução não mais como um ideal, mas como uma necessidade. 
 (...) A única intervenção de Einstein antes do fim da guerra foi provocada mais uma vez por Szilard, que o visitou em março de 1945 e expressou ansiedade pelo modo como se poderia usar a bomba. Estava claro que a Alemanha, agora a poucas semanas da derrota, não fabricava a bomba. Assim, por que deveriam os americanos correr para concluir a sua? E será que os políticos não deveriam pensar duas vezes antes de usá-la contra o Japão, quando ela não fosse necessária para garantir a vitória? 
 Einstein concordou em escrever ao presidente Roosevelt, dizendo que Szilard estava “muito preocupado com a falta de contato adequado entre os cientistas que realizam esse trabalho e os membros do gabinete do seu governo, responsáveis por formular a política do país.” Roosevelt nunca leu a carta. Ela foi encontrada no escritório dele, depois da sua morte, em 12 de abril, e passada para Harry Truman, que, por sua vez, entregou-a ao recém nomeado secretario de Estado, John Byrnes. O resultado foi um encontro entre Szilard e Byrnes na Carolina do Sul, mas Byrnes não ficou impressionado, nem estimulado a agir. 
 A bomba atômica foi lançada, com pouquíssimo debate de alto nível, no dia 6 de agosto de 1945, sobre a cidade de Hiroshima. Três dias depois, a bomba foi usada novamente, dessa vez em Nagasaki. No dia seguinte, autoridades de Washington divulgaram um longo artigo, compilado por Henry DeWolf Smyth, professor de Física de Princeton, sobre o esforço secreto para fabricar a arma. O relatório Smyth, para aborrecimento de Einstein, atribuía grande peso histórico pela criação do projeto à carta que ele escrevera a Roosevelt em 1939. 
 Einstein, apesar de todo o seu esforço para o não lançamento da bomba e de não ter participado do projeto Manhattan, ficou associado, na imaginação popular, à fabricação da bomba atômica. A revista Time pôs na capa o retrato dele com uma nuvem em forma de cogumelo explodindo através da fórmula E=m.c2. No artigo da revista, o editor Whittaker Chambers observava que: “Albert Einstein não trabalhou diretamente na bomba atômica. Mas Einstein foi o pai da bomba atômica de duas maneiras importantes: 1. Foi sua iniciativa que inaugurou a pesquisa sobre a bomba atômica nos EUA; 2. Foi sua equação (E=m.c2) que tornou a bomba atômica teoricamente possível.”

Essa imagem não cessou de persegui-lo. Quando a revista Newsweek lhe deu uma capa com a manchete: “O homem que começou tudo isso”, Einstein reagiu com um lamento memorável: “Se eu soubesse que os alemães não conseguiriam produzir a bomba atômica, jamais teria levantado um dedo”. É claro que nem ele, nem Szilard, nem nenhum de seus amigos envolvidos na fabricação da bomba, muitos deles fugindo dos horrores de Hitler, poderiam saber que os brilhantes cientistas que tinham deixado para trás em Berlim, como Heisenberg, por exemplo, não conseguiriam descobrir os segredos do átomo. “Talvez eu possa ser perdoado”, disse Einstein, alguns meses antes de morrer, numa conversa com Linus Pauling, “pois todos nós achávamos que havia uma enorme probabilidade de que os alemães estivessem trabalhando nesse problema, e de que conseguissem fabricar a bomba atômica, usá-la e se tornar a raça dominante no mundo”.

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