Os 50 anos da exploração de Marte e a recente descoberta de água no estado líquido (sugestão da nipo-armênia-brasileira Renata)

____________________________


Desde a Antiguidade, Marte chama a atenção no céu por sua cor vermelha, o que fez esse planeta receber o nome do deus romano da guerra. Junto com Mercúrio, Vênus, Júpiter e Saturno, Marte pode ser observado a olho nu e durante muito tempo seu movimento retrogrado intrigou os maiores astrônomos da época. Ptolomeu, que viveu no século I d.C., explicou o movimento retrogrado de Marte considerando que Marte realizava um movimento circular ao redor da Terra (deferente) e outro movimento circular em torno do deferente (epiciclo). É importante lembrar que, até o século XVI, os astrônomos explicavam o movimento dos planetas considerando a Terra parada e no centro do universo, explicação conhecida como modelo geocêntrico.


No século XVI, Copérnico elaborou uma explicação para o movimento dos planetas considerando o Sol no centro do universo e a Terra se movendo ao seu redor, como os outros planetas. O modelo heliocêntrico, como ficou conhecido, explicava o movimento retrogrado de Marte a partir da posição relativa entre a Terra e Marte, levando em consideração ainda que o movimento da Terra ao redor do Sol é mais rápido do que Marte.


Problemas em torno da órbita de Marte ajudaram a consolidar o modelo heliocêntrico. Kepler, em 1609, a partir dos dados de Brahe da órbita de Marte, concluiu que a trajetória do planeta vermelho era uma elipse, aproximando e afastando-se do Sol e, por isso, mudando de velocidade. Isso mudou a astronomia na época, pois acreditava-se que os planetas moviam-se em círculos ao redor do Sol e sempre a mesma velocidade.


A viagem a Marte também ajudou a consolidar a Teoria da Relatividade Geral, elaborada em 1915 por Einstein para explicar os movimentos dos planetas. Existiam várias problemas que a Teoria da Gravitação Universal, de Newton, não conseguia explicar, entre eles o movimento de precessão do periélio de Mercúrio (o fato da distância mais próxima de Mercúrio em relação ao Sol mudar ao longo do tempo, como mostra a imagem abaixo), que a Teoria da Relatividade Geral resolveu. Em 1976, a missão espacial Viking, da NASA, para Marte  ajudou a detectar curvaturas do espaço-tempo previstas pela teoria de Einstein (ver mais em: http://super.abril.com.br/tecnologia/a-prova-que-faltava)


Os 50 anos de exploração de Marte – Neste ano de 2015, a NASA comemora 50 anos de exploração de Marte.


Marte é o quarto planeta do sistema solar, depois da Terra, com a metade do diâmetro do nosso planeta e uma massa 10 vezes menor. Possui uma atmosfera extremamente rarefeita, composta principalmente por dióxido de carbono (CO2), e possui estações do anos, com temperaturas que variam de cerca de – 140˚C a 30˚C.


É o planeta mais estudado do sistema solar. Atualmente, dois veículos espaciais da NASA rodam a superfície de Marte e 5 satélites, 3 da NASA, um da Agência Espacial Européia e um indiano, orbitam o planeta. A primeira viagem espacial a Marte aconteceu em 1965, com a missão Mariner 4, da NASA. Em 1971, a sonda Marte 3, da URSS, pousou em sua superfície, mas logo depois parou de funcionar. A URSS também foi o primeiro país a conseguir pousar uma nave espacial na Lua, em 1966, e em Vênus, em 1970. Apenas em 1976, com a missão Viking, a NASA conseguiu pousar com sucesso em solo marciano.



A dificuldade de se pousar em Marte é tal que quase metade das missões falharam, seja porque não conseguiram entrar em órbita ou colidiram fortemente com sua superfície. Felizmente, graças a avanços científicos e tecnológicos sem precedentes, fruto do trabalho de centenas de pessoas, nos últimos anos a NASA conseguiu realizar uma série de pousos bem-sucedidos. Depois do pouso do veículo espacial Pathfinder, em 1997, que estudou o solo marciano durante dois meses, em 2004, pousaram em Marte dois outros veículos, Spirit e Opportunity.


Os pousos dos veículos Spirit e Opportunity aconteceram em lugares diferentes do equador marciano e exigiram uma série de cuidados para que não danificassem seus aparelhos. Depois de uma queda amortecida com paraquedas, utilizaram um sistema de colchões infláveis para absorver o impacto com o solo de Marte. Inicialmente, explorariam Marte por 90 dias, mas duraram muito mais. Spirit parou de funcionar em 2010, depois de atolar e não conseguir girar seus paneis solares para o Sol. O veículo Opportunity ainda hoje encontra-se em Marte, tendo percorrido quase 40 km em solo marciano.


Tanto Spirit quanto Opportunity encontraram minerais que requerem a presença de água para se formarem, como a sílica, substância formada pela reação de pedra com água aquecida. Isso indica a presença não só de água líquida, mas também de calor em algum momento da história de Marte, duas coisas essenciais para a formação da vida.

Em 2008, o módulo Phoenix conseguiu pousar com sucesso no hemisfério norte de Marte, na latitude de 68˚, onde existe gelo sob sua superfície, um lugar propício para a formação de moléculas orgânicas. Funcionou até 2010 e teve o objetivo de investigar os reservatórios de águas marcianos, um fator chave para qualquer missão tripulada ao planeta. Possuía um braço de mais de 2 m de comprimento com uma broca para coletar amostras do solo. Com oito pequenos fornos, conseguiu determinar a composição química do solo sua composição.

O pouso do módulo Phoenix, com quase 500 kg, envolveu uma enorme complexidade. Toda a operação de pouso, que durou 7 minutos, aconteceu automaticamente, uma vez que as informações demoram 14 minutos para chegar à Terra. Além do paraquedas, foram utilizados 12 jatos para amortecer a queda. Ao longo da descida, o módulo de pouso teve que se manter voltada para o Sol para gerar eletricidade.


Apesar de todas essas missões, a tentativa de mais ousada de se conhecer Marte aconteceu em 2012, com o veículo espacial Curiosity. Depois de 9 meses de viagem, conseguiu pousar no planeta vermelho para tentar encontrar evidências de que o planeta conseguiu abrigar vida.


 A complexidade da operação de pouso da Curiosity foi muito maior do que as anteriores, com uma massa cinco vezes maior do que os veículos Spirit e Opportunity. Um paraquedas reduziu a velocidade de descida de 20.800 km/h para 352 km/h. Depois, 8 jatos reduzirem a velocidade ainda mais até o jipe começar a ser rebaixado por um sistema de cabos da plataforma onde estavam os jatos.



A investigação inicial do solo marciano pela Curiosity é realizada com um laser infravermelho e, depois, análises mais cuidadosas são realizadas com um microscópio e um espectroscópio de raios-x. O veículo Curiosity também possui uma broca que permite recolher uma amostra do solo e realizar uma análise ainda mais detalhada.


A Curiosity encontrou evidências de que Marte pode ter condições para a existência da vida microbiana. Umas dessas evidências são rochas arredondadas e com veias que sugerem que tenha existido água corrente, onde possivelmente um rio pré-histórico desaguava.


A análise dessas rochas mostraram a presença de oxigênio, carbono, nitrogênio, fósforo e enxofre. Também foi encontrada argila nas amostras analisadas, que requer água no estado líquido para ser formada, uma coisa nunca antes observada. Foram descobertas produtos químicos formados a partir de um mistura de óxidos, que são a necessários para que micróbios na Terra consigam viver. Tudo isso indica que são grandes as chances da vida microbiana em Marte ter se desenvolvido centenas de milhões ou bilhões de anos atrás.

Um outro objetivo da Curiosity é entender por que o clima de Marte mudou tanto nos últimos milhões de anos. Acredita-se, por exemplo, que Marte possuía uma atmosfera mais densa que a atual, que possibilitava o armazenamento de calor e humidade. Curiosity também estudou os níveis de radiação na superfície de Marte, tendo em vista uma missão espacial tripulada ao planeta.

Num estudo do final de 2014, descobriram que o nitrogênio presente no solo de Marte teve sua origem em nitratos, moléculas com um átomo de nitrogênio e três átomos de oxigênio, o que indica que Marte pode ter tido um ciclo do nitrogênio, um mecanismo necessário para a manutenção da vida. O nitrogênio de nitratos pode também ser incorporado à moléculas mais complexas, como de DNA e proteínas. Também foi anunciada evidências que indicam que Marte, durante o começo de sua vida, pode ter abrigado um oceano de água líquida sobre sua superfície.

Além de hoje existirem dois veículos espaciais em Marte, a NASA possui três satélites: o Mars  Odyssey, de 2001, o Mars Reconnaissance Orbiter, de 2005, e o MAVEN, de 2013. Existem ainda outros dois satélites ao redor de Marte, um da Agência Espacial Europeia e outro da Índia. O último da NASA, o MAVEN, tem o objetivo de entender como Marte perdeu uma camada com gás carbônico, nitrogênio, oxigênio, água e outros gases da atmosfera. O estudo da atmosfera de Marte tem também o objetivo de ajudar a entender se alguma vez existiu vida no planeta vermelho.


Se alguma vez existiu água na superfície de Marte e possuía uma atmosfera mais densa, como tudo indica, a questão que se coloca é: para onde foram? São duas as hipóteses: podem ter ido para a crosta do planeta, ou para o alto da atmosfera, podendo terem ido embora para o espaço. A missão MAVEN tem o objetivo de estudar a segunda hipótese. Sobre a água na superfície, acredita-se que, pela fraco campo magnético, o vento solar consegue penetrar a atmosfera do planeta e seja responsável pela perda de água que o planeta sofreu ao longo de sua história de 4 bilhões de anos.


Em 2002, a Mars Odyssey observou uma grande de gelo sob a superfície do planeta. O solo marciano possui uma formação poligonal, parecida com as encontradas em regiões frias da Terra, causada pelo alternância entre congelamento e desgelo do solo, indicando a existência de água no estado líquido pelo menos por um período do ano marciano, um fator essencial para diferentes formas de vida orgânica.

E a mais recente descoberta foi realizada pelo satélite Mars Reconnaissance Orbiter: Marte não apenas possui gelo e possuiu água no estado líquido, como ainda possui. Durante 4 anos, o satélite tirou fotos de montanhas de Marte e foi observadas linhas escuras, em determinadas épocas mais largas e compridas, em outras mais finas e curtas e em outras épocas as linhas desapareciam. Com um instrumento que analisa a luz refletida pelas linhas, descobriram sais que só podem existir com a presença de água. Concluíram, portanto, que a variação do comprimento e largura das linhas era causado pela variação da quantidade de água escorrendo pelas montanhas em diferentes épocas do ano, com as linhas mais grossas e compridas no verão, e com as linhas desaparecendo no inverno com o congelamento da água.




A exploração espacial de Marte, seja pela NASA, pela Agência Espacial Europeia ou pela Índia, é uma imensa conquista cientifica e tecnológica, fruto do empreendimento científico humano, de sua capacidade de planejamento e cooperação internacional. Por mais que a NASA esteja adiante dessa exploração, a quantidade de cientistas estrangeiros é enorme, como o brasileiro Nilton Rennó, que trabalhou na missão do módulo Phoenix e ajudou a descobrir água em Marte, e que agora trabalha com a Curiosity (Leia uma entrevista com ele em: http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2015/10/conversamos-com-o-pesquisador-brasileiro-que-descobriu-agua-em-marte-em-2008.html).

O entusiasmo de todos com missões espaciais como a Curiosity, que teve seu pouso em Marte acompanhado por milhões de pessoas ao redor do mundo, é resultado de um sentimento mais profundo: um desejo de aprender, explorar e ver o progresso no desenvolvimento humano através da ciência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário